O marxismo de Blas Roca

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Autodidata, foi dirigente do primeiro e do atual Partido Comunista de Cuba, destacando-se
como educador e divulgador do marxismo – pensamento que concebia como um guia a ser
aplicado criativamente, e que buscou unir com as ideias de José Martí

Por Lucilo Batlle Reyes *
[Tradução de Yuri Martins-Fontes e Felipe Deveza ]


BLAS ROCA; Wilfredo Calderío, Francisco (cubano; Manzanillo/Cuba, 1908 – Havana, 1987)

1 – Vida e práxis política
Francisco Wilfredo Calderío López, conhecido como Blas Roca Calderío, nasceu em uma
família de trabalhadores pobres e com tradição na luta pela independência cubana, sendo o
mais velho de nove irmãos. Levou o sobrenome de sua mãe devido às normas da época. Na
escola fundamental, mal alcançou a quarta série; ainda criança, teve que trabalhar em uma
grande variedade de atividades para ajudar a sustentar sua casa. Sofreu forte opressão da
sociedade burguesa-latifundiária e dependente de sua época, pois era pobre e mestiço – o que
contribuiu para forjar seu espírito de rebelião contra a injustiça e a opressão.

Com a ajuda de seu professor Ernesto Ramis, ainda bem moço, Wilfredo Calderío fez um
curso de magistério, habilitando-se para lecionar na educação infantil; embora gostasse da
profissão – que exerceu por dois anos (1924-1926) –, foi forçado a deixá-la, por não se submeter
a manobras políticas. Assim, seguindo a tradição familiar, tornou-se sapateiro, e foi a partir daí
que se ligaria para sempre às lutas da classe trabalhadora, unindo-se ao movimento sindical e
travando contato com a literatura marxista.

Em 1929, entrou no pioneiro Partido Comunista de Cuba (PCC), passando a dirigir o Sindicato
dos Sapateiros de sua cidade; no ano seguinte, assumiu o cargo de secretário-geral da
Federación Obrera de Manzanillo (FOM) e, ao mesmo tempo, secretário-local do partido. Nesta
época sofreu sua primeira prisão política, no Castillo del Príncipe, em Havana, durante três
meses. Em 1931, foi eleito membro do Comitê Central do PCC e, em 1932, preso pela segunda
vez. Ao sair da prisão, no ano seguinte, preparou a greve geral em Manzanillo – contribuindo à
mobilização que pôs fim à ditadura de Gerardo Machado. Já em 1933, participou do V Plenário
do Comitê Central do PCC; neste evento, usou o pseudônimo Julio Martínez, mas logo, a pedido
de Rubén Martínez Villena, adotou o pseudônimo Blas Roca – o qual, em 1939, quando foram
convocadas as eleições para a Assembleia Constituinte, oficializou como seu verdadeiro nome.
Ao retornar a Manzanillo, fundou o soviete de Mabay, o primeiro de Cuba. Pouco tempo depois,
o partido o transferiu para Havana, incorporando-o como membro da Executiva Política (Birô) do
Comitê Central. No fim de 1933, foi provisoriamente nomeado secretário-geral, cargo ratificado
em 1934 (no II Congresso do Partido), no qual permaneceu até 1961, quando o Partido Socialista
Popular (nome que o PCC passara a adotar em 1944) decidiu se dissolver para formar,
juntamente com o Movimiento 26 de Julio e o Directorio Revolucionario 13 de Marzo, uma
organização única dos revolucionários cubanos: as Organizaciones Revolucionarias Integradas
(sob a liderança de Fidel Castro).

Em agosto de 1934, Blas Roca fez sua primeira viagem à União Soviética para participar da
reunião preparatória do VII Congresso da Internacional Comunista; um ano depois, chefiou a
delegação do PCC em Moscou, sendo eleito membro de seu Comitê Executivo para a América
Latina. Como tal, deu valiosa colaboração aos partidos operários e comunistas latinoamericanos: caso de sua visita ao Brasil, durante a qual pôde encontrar Luiz Carlos Prestes na
prisão, conversar com ele e ajudar a romper o isolamento em que fora mantido; e ainda, da
atenção que deu ao Partido Comunista Mexicano, quando este atravessava uma crise de sua
direção. Em 1940, presidiu a delegação do Partido Unión Revolucionaria Comunista (PURC), na
Assembleia Constituinte. Desde então, até o golpe de Estado de Fulgência Batista, em 1952, foi
membro da Câmara dos Deputados.

Blas Roca forjou sua sólida cultura de maneira autodidata; lia de tudo. Em sua infância,
entrou em contato com variadas obras, desde as de história cubana, às da literatura universal –
como Os Miseráveis, Dom Quixote, entre outras disponíveis na biblioteca familiar. Isto alimentou
seu pensamento com ideais democráticos e de justiça social, cujo núcleo foi o pensamento de
José Martí. Mais tarde, quando começou a participar das lutas proletárias, entrou em contato
com a literatura marxista. Leu então O ABC do Comunismo de Bukharin, O Estado e a Revolução
de Lenin e A Crítica da Economia Política de Marx, que foram seguidos pelo Manifesto do Partido
Comunista e pelo Capital, dentre outras obras clássicas do marxismo (à medida que chegavam
em Cuba). Foi, enfim, uma síntese do intelectual revolucionário orgânico cubano do século XX,
que articulou a cubanidade, a ética, o latino-americanismo e o anti-imperialismo de Martí, com
a universalidade do marxismo-leninismo.

A chegada de Blas Roca à alta direção do primeiro partido dos comunistas cubanos marca
uma etapa qualitativamente superior no processo de amadurecimento marxista-leninista desta
agremiação – enquanto instrumento político de vanguarda da revolução cubana. A experiência
organizacional do marxista – nascida de sua militância de base, de estudos teóricos
permanentes e de seu trabalho para unificar o partido –, juntamente com seu esforço e
dedicação, o convenceu da necessidade de repensar a estratégia e as táticas do partido: como
uma ciência da liderança da luta de classes dos trabalhadores, nas condições específicas dos
países coloniais e dependentes. Assim, se iniciaria uma radical mudança tático-estratégica na
ação partidária – centrada na luta pela legalidade, aliança com setores progressistas sem perda
dos princípios de classe, propaganda revolucionária e busca por hegemonia.

Após a vitória revolucionária de janeiro de 1959, na primeira plenária do PSP (fevereiro de
1959), Roca orientou o trabalho de seu partido no sentido de “defender a Revolução e fazê-la
avançar”. Mais tarde, presidiu a comissão responsável por elaborar o projeto de Constituição da
República – aprovada por referendo popular em 1976.

Foi membro do Comitê Central do novo PCC desde sua fundação (1965), até falecer (1987),
sendo enterrado com honras de general morto em guerra. “Deixou de existir um homem
excepcional, de virtudes singulares e talento extraordinário” – afirmou Fidel Castro na ocasião –
“um revolucionário exemplar que dedicou sua vida inteira à causa dos humildes”.

2 – Contribuições ao marxismo
Blas Roca foi um dos primeiros líderes comunistas de países coloniais e neocoloniais a
recolocar, em uma perspectiva ampliada, a abordagem leninista da luta pela libertação nacional,
e a submeter a críticas rigorosas o que considerava como “sectarismo” ou “infantilismo
esquerdista” de tempos anteriores – quando os comunistas marchavam “sozinhos contra tudo e
todos”. Lutou contra posições que entendeu como sectárias, afirmando-as torpes, excludentes,
divisionistas; um mal que deveria ser expulso das fileiras do partido, pois se opunha ao processo
fecundo e fundamental da unidade: a base da vitória.

Entendeu a revolução socialista no espírito dos fundadores do marxismo, como um processo
histórico concreto, necessário, objetivo – sujeito à lei que parte das contradições internas do
regime capitalista (que conduzem a sua própria destruição, abrindo flancos ao estabelecimento
do socialismo), e que se desenvolve ininterruptamente, em correspondência com as tarefas
históricas colocadas pelo desenvolvimento social, e em estreita inter-relação com o fator
subjetivo, a cultura e a disposição da luta de classes das massas populares. Assim, rejeitou a
concepção mecanicista da revolução como um “fato inevitável” (ideia que permeava o
movimento revolucionário da época); considerou que nem a libertação nacional, nem o
socialismo viriam espontânea ou mecanicamente, como um resultado natural e fácil do
desenvolvimento das necessidades econômicas e sociais, mas que seria necessário que as
massas, culturalmente organizadas, compreendessem a necessidade das transformações e
estivessem prontas para realizá-las. Compreende, portanto, a revolução como um “fato cultural”,
no sentido martiano e marxista; a luta de classes é a força motriz da sociedade, o motor que
impulsiona o processo de transformações que conduz ao progresso social e à verdadeira
libertação do homem: o socialismo.

Blas Roca conhecia bem sua realidade nacional, e com isto a validade do ideal de
emancipação nacional, iniciado pelos libertadores de 1868 e 1895, o qual reivindicava uma nova
etapa de lutas – por uma definitiva independência. Agiu de acordo com este ideal, de maneira
original, com vistas a compreender os objetivos e tarefas do movimento revolucionário que
correspondem ao sistema de contradições históricas concretas – como ensina o marxismo –,
conforme as necessidades e especificidades de cada nação. Argumentou que Cuba era um país
que jamais tinha sido livre; que depois de ter deixado de ser uma colônia da Espanha, foi
submetido às teias da dominação neocolonial do imperialismo ianque. Percebeu os EUA como
os novos colonizadores, cuja derrota era o principal objetivo estratégico da revolução. Abordou
a questão da libertação nacional com base na distinção feita por Lênin – ao discutir as Teses
Coloniais, no II Congresso da Internacional Comunista (IC) – sobre o caráter nacional da luta dos
países oprimidos contra o país opressor. Rejeitou as teses de “revolução pura” e de “classe
contra classe”, saídas do VI Congresso da IC, e que tanto prejudicaram o processo revolucionário
cubano dos anos 1930. Resolveu o problema nacional a partir da perspectiva da luta de classes e
do papel fundamental da classe trabalhadora nela. Mostrou que, nas condições dos países
coloniais e dependentes, existia a contradição fundamental do capitalismo – entre a burguesia e
o proletariado –, reforçada pela contradição entre camponeses e latifundiários, mas que acima
delas existia ainda uma contradição mais ampla e nítida, de caráter nacional: aquela entre a
nação oprimida e o país opressor, a qual “opõe o país como um todo” aos imperialistas
estrangeiros. Apontou esta contradição como sendo a que deu um caráter próprio ao processo
revolucionário cubano: como um passo prévio rumo à revolução social.

Assim, Blas Roca estabeleceu um plano de ação para alcançar a mais ampla frente única, com
participação de todos os partidos e organizações que se dispusessem a lutar por um programa
de defesa nacional, anti-imperialista e democrático, reunindo as classes oprimidas pelo
imperialismo. Neste processo unificador, atribui uma importância central à unidade da classe
trabalhadora; entende que a causa nacional não é uma causa estranha ao proletariado, mas seu
dever supremo. A partir da forma particular como cada classe era afetada pela dependência
econômica do imperialismo, o autor elaborou um modelo teórico da estrutura sócio-classista da
sociedade cubana e de seu comportamento político diante da libertação nacional e do
socialismo. Este problema, pouco abordado até então pelo movimento comunista internacional,
foi uma contribuição metodológica significativa de Blas Roca ao pensamento latino-americano e
aos países coloniais em geral. Mostrou quais classes estão interessadas em completar a
libertação nacional, e destacou a classe trabalhadora como a que age de forma mais decisiva
neste sentido: como a classe mais revolucionária do movimento de libertação nacional rumo ao
socialismo.

Concebeu a libertação nacional e o socialismo como um processo único – no espírito leninista
de revolução ininterrupta. Para ele, estas etapas estão intimamente inter-relacionadas: em cada
etapa, são colocadas e resolvidas as tarefas da etapa anterior; uma etapa se transforma em
outra no desenvolvimento ininterrupto da revolução. Entende que, nas condições cubanas, a
luta pela libertação nacional tinha que ser anti-imperialista e, sendo anti-imperialista, tinha que
ser uma luta pelo socialismo, como garantia de soberania nacional, independência econômica e
política.

Rejeitou assim as interpretações dos ideólogos das oligarquias dominantes da América Latina,
que defendiam os investimentos do capital monopolista estrangeiro como fator de
desenvolvimento; mostrou que isto acentua a dependência do país em relação ao capital
estrangeiro. Alguns economistas o consideram o primeiro pensador latino-americano a usar a
categoria de capitalismo dependente (segundo a qual a dependência é vista para além do
fenômeno imperialista) – concepção que tempos depois seria utilizada por outros teóricos para
explicar a situação econômica de países neocoloniais e dependentes. Para Blas Roca, a
dependência é um fenômeno implícito na teoria leninista do imperialismo; ao analisá-la, a
coloca no centro das relações de produção, na própria base do processo do capitalismo e do
desenvolvimento do imperialismo. Ademais, o marxista cubano combateu o “fatalismo
geográfico”, que considerava ser uma doutrina neocolonialista.

Blas Roca foi um exímio educador classista das massas trabalhadoras. Em sua prédica,
considerou que, para se libertarem definitivamente – junto com as outras classes exploradas da
sociedade –, os trabalhadores precisavam lutar no terreno político, através de seu próprio
partido (estabelecendo seu poder), e, ainda, conhecer a teoria revolucionária do marxismo (em
que estão expressas as condições de sua libertação). E para aqueles que não participam da
política “porque não gostam dela”, ensinava que tal abstenção os torna ainda mais escravos,
pois facilita o triunfo de seus inimigos. Já aos que fazem política em um partido de ricos,
mostrou que, ao fazê-lo, deixam-se arrastar para uma posição caudilhista, contrária aos
interesses de sua classe, perpetuando assim sua miséria. Combateu o reformismo e o
economicismo no seio da classe trabalhadora, considerando-os expressão da ideologia burguesa.
Além disso, ele rejeitou o mito da suposta “incompatibilidade ideológica do marxismo” com
as tradições culturais cubanas; dedicou-se a demonstrar o caráter universal do marxismo e a
legitimidade do partido da classe trabalhadora em nossas condições particulares. Entende que o
movimento marxista ou comunista havia surgido em Cuba como consequência do regime
capitalista, de modo que não se poderia considerá-lo nem mais nem menos exótico ou
estrangeiro do que o próprio sistema social capitalista vivido no país; e ainda, que o partido da
classe trabalhadora havia sido criado como consequência da opressão capitalista, fato que
desperta a consciência de classe do trabalhador, obrigando-o a se organizar para se defender.
Blas Roca mostrou também a ligação do Partido Comunista com a tradição mambisa (dos
guerrilheiros da independência) – pois suas raízes estão na semente lançada por aqueles
combatentes que no século XIX colaboraram com José Martí na fundação do Partido
Revolucionário Cubano. Desde muito cedo, defendeu o valor das tradições nacionais e
revolucionárias para alimentar as lutas da nova etapa histórica; convocou uma batalha contra as
falsificações da história, de forma a resgatar para as massas os valores revolucionários contidos
na tradição nacional (vinculando-os com sua luta atual). Neste percurso, considerou a divulgação
da ideologia e do exemplo de José Martí como essencial. Desde suas primeiras obras, proclamou
Martí como sendo uma “bandeira da revolução”, declarando que a classe trabalhadora cubana e
o seu partido eram seus legítimos herdeiros e continuadores. Em suas polêmicas, rejeitou
energicamente aqueles que procuravam opor as ideias martianas às marxistas; advertiu que isto
era uma posição de contra-revolucionários. Explicou que Martí, no século XIX, não teria podido
colocar os problemas que se colocavam para a Cuba de então – com o desenvolvimento
particular das formas capitalistas sob o regime semicolonial –, mas que esses problemas
deveriam ser equacionados pelos comunistas da atualidade: enraizando-se nas ideias de Martí e
seguindo os princípios do marxismo-leninismo.

Para ele – como para Mariátegui, Julio Mella ou Martínez Villena –, o marxismo não poderia
ser nem decalque, nem cópia, mas sim uma criação nascida da própria realidade de nossos
povos, pois o pensamento marxista não é um receituário, mas um método de estudo, um guia –
e o programa do partido é um esforço para aplicá-lo criativamente à prática da revolução. Isto é
o que Marx e Lênin defendiam: que não fossem reproduzidos clichês ou fórmulas, mas que se
estudasse a vida real, para assim encontrar formas específicas através das quais, em cada
situação e em cada país, possa-se marchar em direção ao grande objetivo comum do socialismo.
A obra de Blas Roca visa alimentar a consciência das massas com o fecundo sentimento antiimperialista de raízes martianas; fundamenta o caráter do imperialismo estadunidense como
inimigo histórico de nossos povos latino-americanos. Mas reconhece, assim como Martí, que “o
entendimento com os Estados Unidos não é impossível”; explica que o povo de Cuba não se
opõe aos EUA, apesar de seu desejo por se libertar; os cubanos se opõem, sim, ao controle e ao
monopólio exercido pelos capitalistas estrangeiros sobre sua economia.

Blas Roca defendeu intensamente o internacionalismo; para ele “pátria é a humanidade”.
Expressou nítida consciência da necessidade de solidariedade com todas as lutas libertadoras,
democráticas e progressistas – de todos os povos – como sendo um dever, e ainda, como parte
da própria luta de libertação cubana. Sustentou que aqueles que recusam o internacionalismo, a
ajuda mútua entre todos os povos, servem assim ao imperialismo – que busca dividir para
dominar e oprimir. Sob sua liderança, seu partido nunca deixou de apoiar solidariamente a nação
de Lênin; deu ajuda política, moral e material, inclusive enviando combatentes para as Brigadas
Internacionais em apoio à República Espanhola. Neste espírito, compartilhou a tese de Martí
sobre o papel internacional da independência cubana: como um “feito latino-americano”; como
um meio de impedir o domínio dos Estados Unidos sobre nossa América e como uma luta por
toda a América Latina.

Teórico, organizador e propagandista, Blas Roca construiu um dos maiores e mais sólidos
partidos comunistas da América Latina, sem espaço para tendências divisionistas. Entretanto,
sendo líder, mestre e discípulo, nunca considerou ser ele mesmo o próprio partido. Sua maneira
de liderar era firme, mas serena – sem levantar a voz. Era ciente de que a força e a grandeza do
partido dependiam dos esforços combinados de todos os camaradas, da liderança e da base – e
de sua ligação com as massas. Sua concepção de disciplina partidária foi baseada no respeito
aos princípios leninistas de liderança coletiva e centralismo democrático – distante do
autoritarismo e voluntarismo (que então afetavam muitos partidos do movimento comunista
internacional). Opôs-se ao praticismo na atividade dos combatentes comunistas: defendeu
fortemente a necessidade do estudo, da apropriação das teorias, condição para o
aperfeiçoamento constante do trabalho partidário (pois assim se pode conhecer melhor a
essência do regime capitalista). Seu partido foi uma escola de cultura política. Neste sentido, ele
se esforçou para que seus quadros e militantes tivessem acesso e estudassem as obras clássicas
do marxismo, bem como da cultura nacional e universal, como a história cubana, as artes, as
ciências. As editoras que o partido veio a construir se encarregaram de disponibilizar estas obras
ao povo em geral. Por estes e outros meios, logrou forjar uma prestigiosa intelectualidade, ao
mesmo tempo em que estabeleceu laços de colaboração com vários escritores, artistas,
cientistas e outros criadores (revolucionários e progressistas) que não militavam em suas fileiras.
Roca foi sempre atento à necessidade de forjar a maior unidade possível entre trabalhadores
manuais e intelectuais – a fim de alimentar, com amplos aportes da cultura, as lutas políticas
populares.

A defesa da identidade nacional, da cultura nacional, foi a bússola com que levou seu partido
a tal esforço cultural. Impulsionou a resistência à invasão cultural imperialista,
desnacionalizadora e embrutecedora, que tudo faz para deformar e esmagar o que é nacional e
progressista em cada cultura – sempre tentando impor seus caminhos e conceitos, seu cultivo
da banalidade e do pessimismo, a fim de defender sua dominação neocolonial.
É ainda significativa sua contribuição para a unidade entre marxistas e crentes na luta pela
emancipação nacional e social. Divulgou a concepção marxista de religião, mito e dogma, como
crenças resultantes da ignorância, as quais, em sociedades antagônicas, têm raízes sociais –
sendo promovidas pela miséria, opressão e precariedade do ensino das massas. Compreendia
que não foi deus que criou o humano, mas o humano que criou deus; e que a maneira de se
superar a religião não seria através de uma luta contra ela em si, mas por meio da luta de classes
contra a opressão e exploração (causas do reflexo religioso). Portanto – como Lênin –, defendeu
que se atraísse o povo, apesar dos preconceitos religiosos, para a luta ativa e militante contra a
miséria e a opressão. Deixou claro que os marxistas são totalmente contra toda violência e
perseguição antirreligiosa. Sustentou que na revolução há lugar tanto aos que invocam a deus,
como aos que não creem em sua existência.

Foi um lutador enérgico contra todos os preconceitos que dividem e humilham o ser humano,
os quais dividem também as forças da revolução. Acusou a degradante discriminação racista,
que segrega os homens pela sua cor de pele, e promoveu o sentimento de solidariedade
nacional; considerava que a origem de seu povo era uma só – pois que desde seu nascimento
como nação, os cubanos constituíram um país mestiço, no qual brancos e negros, juntos,
contribuíram para a construção nacional. Ensinou que são as classes exploradoras e o
imperialismo que cultivam o preconceito racial – para dividir os trabalhadores.

Diante da vitória revolucionária (1959), Blas Roca demonstrou sua capacidade de análise
marxista. Despojado de fórmulas dogmáticas, defendeu a Revolução Cubana triunfante,
apontando que, embora ela não estivesse em conformidade com nenhum esquema clássico
reconhecido até então, confirmava as teses cardeais do marxismo-leninismo. Levou a seus
correligionários a convicção de que, dadas as características da Revolução, estava sendo forjada
uma nova vanguarda revolucionária, cujo centro unificador era Fidel Castro – o novo líder da
classe trabalhadora –, e que assim a necessária unidade não seria alcançada com a adesão deste
novo líder ao partido, mas que era essencial ao partido aceitar a liderança de Fidel.

Com esta arguta visão política, os comunistas cubanos, em junho de 1961, dissolveram seu partido e
colocaram suas bandeiras nas mãos de Fidel Castro – um evento sem precedentes na história do
movimento comunista. Em uma entrevista que aborda este processo histórico, Blas Roca
afirmou: “Quando coube a mim entregar a liderança do Partido a Fidel, ele já era o líder
indiscutível da Revolução… Assim, não fui eu quem entregou a liderança a Fidel, mas fui um
simples portador do que a história já lhe havia entregado”. Desde então, Blas Roca defendeu a
liderança de Fidel Castro contra todos aqueles que tentaram impedi-la; a seu lado, trabalhou
com lucidez, dedicação e espírito criador.

A preparação teórica anterior de Blas Roca, bem como sua integridade revolucionária, política
e ética, o tornaram capaz de ser objeto e sujeito (protagonista) da transformação social cubana –
uma lição de criatividade revolucionária marxista que mantém seu valor para as forças
socialistas na América Latina e no mundo. Esta é a razão fundamental para que ele seja
considerado um membro pleno da direção histórica da Revolução Cubana.

3 – Comentário sobre a obra
Blas Roca deixou uma obra prolífica, na qual se destacam reflexões sobre os problemas
fundamentais da Revolução Cubana.

Entre seus escritos – muitos dos quais são conservados pelo Archivo del Instituto de Historia
de Cuba (AIHC), em Havana –, sobressaem os seguintes: “Informe al VI Pleno del CC del PCC”
(AIHC, out. 1935), em que oferece uma análise da reorientação estratégico-táctica do partido, o
que pôs fim ao “infantilismo de esquerda” dos primeiros anos; “Las clases frente a la catástrofe”
(Revista Fundamentos, nov. 1939), no qual analisa a estrutura sócio-classista da sociedade
cubana e sua posição antes da revolução libertadora e do socialismo; “Por la igualdad de todos
los cubanos” (AIHC, 1939/ folheto), que expõe as raízes de classe da discriminação racial e, de
modo geral, social, própria da sociedade burguesa, tratando das formas de superá-la e do papel
do partido marxista neste processo emancipador; “¿Qué es Unión Revolucionaria Comunista?”
(AIHC, 1940/ folheto), um trabalho de educação política sobre a importância da luta política das
massas trabalhadoras e a necessidade de que tenham seu próprio partido (o que distingue a luta
sindical da luta política), e que aborda também os objetivos emancipadores do Partido
Comunista como autêntico partido do povo (à diferença dos partidos burgueses); “El XV
aniversario de nuestro partido: una carta y un artículo” (Revista El Comunista, 1940), texto sobre
o processo de amadurecimento marxista do partido, sua superação do sectarismo e do
dogmatismo; “La educación revolucionaria” (Ediciones Sociales, Havana, 1940), no qual
fundamenta a necessidade de preparação teórica e cultural geral dos revolucionários e expõe a
tese marxista de que sem teoria revolucionária não pode haver movimento revolucionário;
“Charla” (AIHC, fev. 1942/ folheto), palestra em que explica como as classes exploradoras
utilizam os meios de propaganda para confundir e enganar as massas, analisando o caminho
dialético da revolução libertadora e socialista nas condições de nossos povos de acordo com a
concepção leninista de revolução ininterrupta; “Conferencia en homenaje a Carlos Marx” (AIHC,
mai. 1942/ folheto), em que defende as teses fundamentais do marxismo e sua necessidade
como teoria revolucionária para a emancipação popular; “José Martí, revolucionario radical de
su tiempo” (1948), artigo central de sua obra de popularização da vida e obra de Martí,
publicado na coletânea Siete enfoques marxistas sobre José Martí (Havana: Editora Política,
1978), no qual revela o significado do apóstolo da independência cubana como “bandeira da
revolução”; “Informe para la discusión de la Tesis del PSP sobre la situación actual: Primer Pleno
del PSP tras el triunfo de enero de 1959” (Rev. Fundamentos, fev. 1959), relatório de valor
político e teórico que revela peculiaridades da revolução triunfante e apresenta a tese de que é
preciso “defender a revolução e fazê-la avançar”.

Dentre seus principais livros, destaca-se: Los fundamentos del socialismo en Cuba (Havana:
Editorial Páginas, 1943). Neste seu clássico, o marxista analisa a teoria e prática emancipatórias
presentes na história das ideias políticas cubanas, enraizado na tradição autóctone, mas com
uma projeção universal; oferece aí profundos aportes ao tesouro comum do marxismo, a partir
de sua aplicação criativa às condições peculiares da Cuba neocolonial. A obra não foi escrita para
fins acadêmicos, mas concebida como uma arma de combate, de forma didática e educativa,
com o objetivo de esclarecer as consciências e unir as vontades, de acordo com as exigências do
movimento de emancipação naquela complicada situação nacional e internacional. Foi
considerado por Che Guevara como “o pequeno grande livro de Blas Roca, destinado a dar às
massas o conhecimento da necessidade histórica que possa conduzi-las a uma feliz conclusão”,
satisfazendo “os anseios que flutuam na maioria da população”: “Para mim foi uma grande
ajuda na compreensão e sistematização de todo o processo cubano”.

Em seu extenso trabalho escrito, Blas Roca também deixou grande quantidade de literatura
voltada para crianças e jovens: contos e quadrinhos, dentre outros gêneros, publicados em
jornais e revistas – todos com um sensível propósito educacional. Entre eles estão: Lecturas
(Havana: Ministerio de Educación, 1972), e Conversando con Laura (Havana: Edit. Gente Nueva,
1983).

De sua obra, mencionamos ainda: “Cuidemos la unidad” (AIHC, 1938/ folheto); “El
reformismo en el movimiento sindical” (AIHC, 1945/ folheto); “Nuestro triunfo es seguro,
nuestra victoria es inevitable” (Revista Fundamentos, set. 1950); “Nuestro camino” (Hoy, jul.
1959); “Hoy más que nunca ‘defender y hacer avanzar la revolución’: intervención en el Pleno
del Comité Nacional del PSP” (Rev. Fundamentos, abr. 1960); “La verdad sobre las calumnias de
los enemigos de la revolución cubana” (Rev. Fundamentos, nov. 1960); “El gran discurso de Fidel
debe ser estudiado y asimilado por todos” (Revista Cuba Socialista, abr. 1962); “Es absurdo creer
en un soberano y gobernador del universo” (Hoy, abr. 1962); “El patriotismo y el
internacionalismo se integran en la ideología proletaria” (Hoy, mai. 1962); “El Gobierno
revolucionario y el Partido promueven, organizan y orientan el desarrollo de la cultura” (Hoy,
set. 1963); “El camino del pueblo” (Rev. Cuba Socialista, jan. 1964); “Conversando con Blas
Roca”, entrevista a Alina Martínez Triay (El Militante Comunista, ago. 1985).
Para assinar seus textos, o marxista usou vários pseudônimos, tais como: Marcos Díaz,
Francisco, Tío Francisco.

Com seu trabalho e exemplo, Blas Roca está enraizado na memória histórica e cultural do
povo cubano, como um dos pensadores que mais contribuiu para a difusão das ideias sociais,
políticas e culturais progressistas de seu tempo – e para o melhoramento humano. É um dos
homens imprescindíveis das lutas fundacionais do povo cubano.

4 – Bibliografia de referência
BATLLE REYES, Lucilo. Blas Roca: virtud y ejemplo – la imagen de un hombre excepcional.
Havana: Editorial de Ciencias Sociales, 2008.
CASTRO Ruz, Fidel. “Palabras en la despedida de duelo de Blas Roca”. Granma, Havana, 27
abr. 1987.
CASTRO Ruz, Raúl. “Palabras en el acto de homenaje de las Fuerzas Armadas Revolucionarias
(FAR) al compañero Blas Roca en su setenta aniversario”. Rev. Verde Olivo, n. 32, 13 ago. 1978.
GUEVARA, Ernesto Che. “Palabras en la entrega de premios de la emulación de Círculos de
estudio del Ministerio de Industrias”. Em: Escritos y discursos – Editorial de Ciencias Sociales,
Havana, 1977, t. 6.
RODRÍGUEZ, C. R. “Blas Roca, sencillo y grande a la vez” [entrevista]. Tribuna de La Habana,
25 jul. 1993.
SERA, Aida; REYES, Amada. “Blas Roca y las luchas obreras en Manzanillo (1925–1933)”.
Izquierdas, Universidad de Santiago de Chile, n. 28, jul. 2016. Disp.: https://dialnet.unirioja.es .
Notas

  • Lucilo Battle Reyes é professor da Universidad de Ciencias Pedagógicas Enrique Varona
    (Havana) e assessor do Ministério da Educação Superior de Cuba, nas áreas de História e
    Marxismo; historiador e doutor em Filosofia (Universidad de La Habana). Autor de, entre outros
    livros: Blas Roca, continuador de la obra de Baliño y Mella (Editorial de Ciencias Sociales, 2005).
    É membro do Conselho Crítico Consultivo do Dicionário Marxismo na América.
  • Com edição de texto de Pedro Rocha Curado e Yodenis Guirola, este artigo foi originalmente
    publicado no portal do Núcleo Práxis-USP, sendo um dos verbetes do Dicionário Marxismo na
    América, obra coletiva coordenada por essa organização; permite-se sua reprodução, sem fins
    comerciais, desde que citada a fonte (nucleopraxisusp.org) e que seu conteúdo não seja
    alterado. Sugestões e críticas são bem-vindas: [email protected]

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